Viajamos no tempo até 1996. No espaço, até à recôndita vila de Pineview onde, como o nome indica, o que não faltam são pinheiros à vista. Pinheiros e a constante e intensa chuva que ameaça varrer bem mais do que provas de um assassinato.
Um aparentemente óbvio homicídio-suicídio nesta pacata localidade que, por alguma razão, não parece convencer o detetive Michael Stone. Enquanto este procura esgotar todas as possibilidades e chegar à verdade do que aconteceu, é conduzido numa viagem até ao passado das vítimas e forçado a confrontar os demónios do seu próprio passado.

Previsão meteorológica semanal: aguaceiros e chuvas fortes
À primeira vista, Rainswept é um indie transparente. Parecendo tratar-se de um jogo centrado na investigação de um crime, é de facto nisso que ele incide, apenas de forma circunscrita.
Alguns, podiam estar à espera de que este fosse um jogo de ação – à semelhança de muitos outros no género. Contudo, este jogo aproxima-se bem mais de uma visual novel, com o ter de andar para um lado e para o outro à mistura.
Na verdade, o trabalho de detetive existente em Rainswept é praticamente levado a cargo pelos personagens, sendo o jogador remetido para segundo plano com pouco ou nenhum papel determinista no processo. Os diálogos dão toda a informação de para onde ir e com quem falar. A interação com objetos e personagens é restringida a fazer encadear esses diálogos, e os raros puzzles existentes são simples e bastante óbvios.
São geralmente dadas várias opções de resposta no diálogo, mas estas não têm impacto nos acontecimentos gerais, servindo apenas para modular a apresentação da narrativa, o que até se torna bastante interessante. Como quando uma frase que escolhemos proferir num determinado instante, é referida muito mais tarde em modo de apontador à natureza de quem a disse. Isto ajuda a personalizar a experiência e torná-la mais imersiva e envolvente.

O nosso detetive protagonista também conta com auxiliares na sua investigação tais como um mapa da cidade, páginas onde ele aponta aspetos e factos importantes ao caso, e uma lista de objetivos imediatos a cumprir. Apesar disso, e como já referido, uma vez que a porção da investigação que realmente compete ao jogador é bastante linear, estes apontamentos pouco ou nada ajudam a resolver o caso. Em vez disso, e mais uma vez, servem mais de suporte à narrativa, ajudando à imersão na história e na investigação a decorrer.
Não quer isto dizer que a história em Rainswept é pobre, muito pelo contrário, é um dos pontos fortes do jogo. Apenas quer dizer que a experiência é semelhante àquela de se estar a ver um filme.
Um filme de mistério criminal pejado de clichés típicos de todas as demais novelas noir. O detetive, oriundo da grande cidade, é experiente e de sucesso, mas também um ser humano falível e atormentado pelo passado, a quem uma cândida aspirante é atribuída como parceira. Pineview apresenta-se como sendo uma daquelas terras plácidas à superfície, mas onde algo borbulha mesmo abaixo do nível da água. Os seus habitantes são propendentes a boatos e juízos rápidos de valor e, sem querer estragar o final, os detalhes que rodeiam o crime não são tao enigmáticos e subversivos como de resto a história dá a entender.
Posto isto, a narração é de outra forma soberba e o ritmo e desenrolar dos acontecimentos estão muito bem conseguidos. Esta trata-se é mais de um conto introspetivo acerca de viver e sobreviver aos fantasmas do passado, com um cenário criminal servindo de pano de fundo e não o contrário, como seria de esperar.

Depois da tempestade, vem a bonança
A arte audiovisual é bem executada. Os gráficos assemelham-se aos de uma ilustração minimalista, mas vibrante, com impressões atmosféricas excelentemente aplicadas – não fosse a chuva uma das temáticas centrais. Os efeitos e a banda sonora alcançam um bom equilibro entre simplicidade e variedade para a duração do jogo, e estão bem adequados ao compasso da história.
Embora o minimalismo presente na forma enaltece a beleza ambiental, o presente na função fica um pouco aquém de ideal. Especialmente no retratar e animar dos personagens, onde um pouco mais de detalhe teria sido preferível. Tal, no entanto, está sempre aberto ao gosto pessoal de cada um.
Nunca é de mais frisar que onde Rainswept brilha, é sem dúvida na cadencia gerada pelo fluxo natural da história aliado à equilibrada experiência audiovisual, contando com os ocasionais momentos quase cinematográficos.

Para um jogo que se desenrola quase como um conto animado interativo, os controlos quase que passam para segundo plano. Apesar de simples e funcionais, existem algumas escolhas menos que perfeitas.
O movimento, mesmo nos menus, só pode ser regido pelo direcional analógico e a interação é sempre feita sempre em dois passos. Primeiro, seleciona-se o elemento com que se pretende interagir, e só depois o que se quer fazer – inspecionar, conversar, usar um item, etc… Parecem passos desnecessários, quando até sobram botões por atribuir, ao ponto que um deles serve apenas para alternar entre estar a fumar ou não.
Existem também erros a nível da programação. Alguns personagens são atravessados por objetos que deviam estar por detrás destes; outros, secundários, se forem continuamente interpelados revertem as suas opções de diálogo para um estado anterior. A roupa do protagonista pode ser customizada, mas depois, em certas cenas, não corresponde à que foi selecionada. Estão presentes outros pequenos bugs na transição entre áreas, mas que são rápida e automaticamente corrigidos. Por fim, na fase derradeira do jogo, os extensos apontamentos que o nosso detetive foi tirando, são todos substituídos apenas pela página final do bloco.

Ocorrem ainda uns poucos erros ortográficos, que passarão completamente despercebidos pela grande maioria, exceto àqueles mais atentos.
Todas estas pequenas falhas juntas, não chegam a prejudicar em demasia o contar da história ou diminuir da experiência. De facto, são quase insignificantes quando se tem em consideração a escala de um projeto indie como este.
No entanto, existem.
E, ironicamente, servem para lembrar que Rainswept, tal qual o seu protagonista, o detetive Stone, também tem falhas. E afinal, são as pequenas imperfeições que temperam o carácter, quer das pessoas, quer de uma boa história.
Peguem no chocolate quente e apreciem a chuva lá fora
É notório que Rainswept é um trabalho de paixão.
A história é bem pessoal e enraizada na psique humanas dos seus personagens principais. Ainda que o jogo apresente ligeiros problemas à fluidez e o trabalho de detetive não seja o tema principal, mas antes um fio condutor que liga os vários participantes, a subtileza sonora e envolvência visual enriquecem este quase cinemático conto de tragédia e redenção.
Quem apreciar e estiver preparado para uma história onde a ação frenética é substituída por uma forte carga emocional, certamente irá apreciar Rainswept.
Arte audiovisual de excelência
História envolvente e com personagens ricos
Investigação unidimensional
Alguns clichés do género
Data de Lançamento: 24 de julho de 2020
Produtora: Froostwood Interactive
Editora: 2Awesome Studio
Género: Aventura
Disponível para: PC, Playstation 4, Xbox One e Nintendo Switch
Foi disponibilizado um código para análise (Nintendo Switch) por parte da editora.