Antes de começar, quero apenas dizer que a análise não contém qualquer tipo de spoilers.
A Dontnod Entertaintment tem sido um estúdio que nos tem entregue nos últimos anos, e de forma regular, títulos com qualidade. Mesmo que não tenham jogado alguns dos seus trabalhos, facilmente reconhecem nomes como Life is Strange ou Vampyr. O próximo jogo do estúdio aborda o mesmo estilo de Life is Strange, mas, ao contrário deste, onde existe uma considerável dose de fantasia, Tell Me Why acaba por contar uma história mais “real” e sem “superpoderes”.
Um dos grandes destaques vai, indiscutivelmente, para um dos personagens principais. O seu nome é Tyler Ronan e é, provavelmente, o primeiro personagem principal transgénero presente num videojogo. Tudo isto acarreta alguns riscos em termos de receção do público, mas, para que tudo pudesse correr de forma pacífica, a Dontnod teve bastantes cuidados na criação deste personagem. Esteve, inclusivamente, envolvida com determinadas entidades para que tudo pudesse fazer sentido comparativamente à realidade deste grupo de pessoas. Na verdade, também foi criado um FAQ sobre o jogo onde são esclarecidas algumas dúvidas relativamente a todo o processo, bem como o personagem e o jogo em si. Se tiverem curiosidade, visitem esta página.

A história dos irmãos Ronan
Tell Me Why conta a história de Tyler e Alyson Ronan, os quais se reúnem dez anos após a morte da sua mãe. O palco desta nova aventura é a cidade fictícia de Dellos Crossing, no Alaska, local onde os irmãos cresceram. Com o principal objetivo de resolver alguns assuntos pendentes, acabam por tentar descobrir toda a verdade relacionada com a tragédia que envolveu a sua mãe. Como já disse anteriormente, Tell Me Why conta uma história mais “real” que os seus antecessores espirituais, mas, ainda assim, existe uma nova funcionalidade que, se assim pretendermos, pode ser associada a fantasia. Isto, tendo em conta que para resolver o mistério da morte da sua mãe, os irmãos terão de recorrer a memórias, entre outras ferramentas. Ora uma das novas mecânicas no jogo está relacionada com isso mesmo. Em certos locais do cenário, é possível vermos algumas memórias dos dois irmãos, ou, em alguns casos, a memória de um deles. Bond é o nome desta mecânica e as nossas escolhas terão, como já é habitual, consequências no desenrolar de alguns acontecimentos e diálogos.
Alguns dos puzzles presentes no jogo estão relacionados com o “Livro dos Goblins”, livro este que a mãe dos jovens criou para os mesmos. A forma como foi implementada a relação entre estes dois pontos mencionados, acaba por fazer com que tenhamos de tomar atenção ao conteúdo do livro, e ainda bem que assim o é, pois existem pormenores bastante bons que, de outra forma, provavelmente a maioria das pessoas não iria reparar.
A interação com objetos continua a fazer parte do prato principal e muitos dos comentários associados aos mesmos, podem revelar alguns pormenores interessante sobre a história. Porém, não somos obrigados a tal, para além dos momentos necessários, mas é sempre riqueza que se ganha no que toca ao recheio da narrativa.

Em termos visuais, Tell Me Why continua dentro dos padrões a que já estamos habituados por parte do estúdio, não elevando o patamar da qualidade gráfica, mas sempre com imensos detalhes deliciosos nos cenários. Apesar da pouca liberdade fora de casas, gostei bastante dos locais da cidade onde é possível explorar um pouco. A própria pequena cidade é acolhedora, mas sempre com aquele ambiente no ar que esconde algo misterioso. Os personagens com quem interagimos são sempre interessantes e ajudam a dar mais vida e veracidade a toda a história. Muitos vezes, existem conversas relativas aos tempos de infância dos irmãos, as quais também acabam por dar mais contexto à situação atual.
No que diz respeito ao áudio, a banda sonora assenta que nem uma luva, tal como já é habitual neste tipo de jogos da Dontnod. Relativamente aos personagens, existe um bom conjunto de vozes no geral, o que é sempre importante em títulos como este foco na narrativa.

Uma nova aventura, a mesma qualidade
Depois de ter terminado os três episódios, apesar da qualidade dos personagens, sinto que, comparativamente aos protagonistas de Life is Strange, nunca consegui simpatizar da mesma forma. Isto não quer de todo dizer que os personagens de Tell Me Why sejam fracos ou pouco consistentes, muito pelo contrário. Uma das hipóteses pode estar relacionada com o facto desta série ter apenas três episódios, ao contrário dos habituais cinco. Quer queiram quer não, acaba por existir menos espaço para nos identificarmos com os personagens. Ainda assim, estive sempre curioso para saber o que realmente aconteceu em torno do assassinato da mãe dos irmãos. Também gostei de ver a sua relação ao longo da jornada, com altos e baixos, o que é facilmente compreensível após uma dezena de anos sem se ver. Todos os intervenientes na história têm algo a acrescer à mesma e isso é uma mais valia numa experiência com um enorme foco na narrativa. No que toca à jogabilidade, apesar de ter sido introduzida uma nova mecânica de jogo, para o bem e para o mal, esta mantém-se inalterável.
Não posso terminar esta análise sem, mais uma vez, mencionar o facto do quão arrojado foi este trabalho do estúdio, ao ter inserido um transgénero como personagem principal. É sempre uma mais valia este tipo de temas ser abordado num mercado que pode chegar a imensas pessoas e, possivelmente, educar muitas delas relativamente ao assunto em causa.
Tell Me Why é o produto que esperava e, embora não ache que seja o melhor conjunto de personagens que o estúdio já tenham criado, acaba por oferecer uma boa experiência dentro do expectável da Dontnod. Se gostam de Life is Strange, então certamente que irão desfrutar deste título.
Agradável conjunto de personagens
Mecânica das memórias (Bond)
Cenários muito detalhados
“Livro dos Goblins”
Jogabilidade sem alterações
Data de Lançamento: 27 de agosto de 2020
Produtora: Dontnod Entertainment
Editora: Dontnod Entertainment
Género: Aventura
Disponível para: PC e Xbox One
Foi disponibilizada uma cópia do jogo para análise por parte da Microsoft Portugal.